A Escrita Criativa e O Patinho Feio

A ideia subjacente à Escrita Criativa é a criação de algo diferente, algo que espante não só ao seu autor como e principalmente a quem o irá ler depois. O conforto de trilhar caminhos conhecidos é muito difícil de ser abandonado! Alguns começam colocando um pé devagarinho para avaliar a profundidade das águas que vai mergulhar. Outros ficam a espreitar o mar. Poucos se aventuram a se jogar nas águas mesmo pairando dúvidas sobre a sua capacidade e fôlego para nadar

Os viageiros da Oficina são marujos experientes e estão imbuídos do desejo de sair da zona de conforto para se aventurarem em águas mais profundas onde o desconhecido, o novo poderão advir. Mas eles não têm pressa, sabem que há um caminho a ser caminhado antes de chegar lá e irão trilhá-lo com destemor e determinação.

O primeiro desafio foi criado com o conto de Andersen: O Patinho Feio. Pedi que reescrevessem o conto com o máximo de liberdade, desde a mudança do personagem, do foco narrativo, tempo e espaço da narrativa. Ainda estamos recebendo contos, outros já estão sendo reescritos partindo do pressuposto de que no ato de criação nenhuma amarra sintática, nenhuma dissonância fonética ou estética deverão ser objeto de preocupação sob pena de bloquear o fluxo criativo  ou quebrar o ritmo da escrita. Após esse primeiro momento é que se dá início ao processo artesanal do escritor onde todos os aspectos anteriormente ausentes vão ser contemplados, onde o texto irá passar por sérios e importantes cortes, profunda assepsia para deixá-lo no tamanho certo, com o tom requerido, a  beleza almejada. Cortar palavras não é fácil, mas é fundamental para todo aquele que se propõe a ser escritor. Edgard Allain Poe em A Filosofia da Composição, diz que o escritor deve planejar nos mínimos detalhes a sua obra antes de começar a escrevê-la. Na Escrita Criativa abrimos mão de toda cientificidade nesse primeiro momento para dar espaço e liberdade plena à criação.

O Conto Patinho Feio  de Everaldo Soares Júnior, viageiro da primeira hora, médico, psicanalista, ensaísta, contista já passou por todo esse processo e se encontra pronto para ser apresentado e é o que faremos agora:

O Feio

*Everaldo Soares Júnior

Sim, agora sou um cisne, branco como os outros, tenho postura imponente, flutuo nas águas da lagoa, mas não canto, Deus me livre!

Essa história já é bastante conhecida, foi o Hans Christian Andersen quem fez a invencionice de espalhá-la. Passei tempos desnorteado, mal estar diferente.

Houve um equívoco, nasci chocado por uma pata, porém era diferente dos irmãos patinhos, todos amarelinhos, contentes, enfileirados, tomando banho na lagoa. Andavam com os pés de lado, dez pras duas horas, bico chateado com o quá, quá, quá estridente, barulho infernal. Eu calado, só observando. É, mas a pata dizia, ele é pato, ou seja: meu filho! Gostava, o estranhamento se afastava um pouco de mim.O pai era omisso, quando não, era agressivo e desconfiado. Dizia que eu não tinha semelhança com ele.

O tempo foi passando, às vezes brincava com os outros, mas na maioria preferia ficar sozinho, cantar, de jeito nenhum!

Um dia, arrisquei ir para outra lagoa mais distante, maior e de águas bem limpas, parecia um lago estrangeiro, aquele que se ouvia a valsa famosa, mas eu não sabia cantar. Olhava as outras aves do lugar, brancas, altivas, todas deslizando na água azul. Olhei e vi uma branquinha, dos olhos claros, piscando para mim, fiquei nervoso. Mas, olhos nos olhos nos aproximando e agora? Não tive dúvidas, ficara fisgado pela linda avezinha. Rolou uma conversa, falei muito de meus antepassados desconcertantes. Ela ouvia com atenção e a leveza se instalou no momento dos nossos bicos se tocarem por um bom tempo. Sorrimos e continuamos juntinhos. Beleza! O paraíso está nessa lagoa!

Passaram os tempos, nasceram patinhos, ou melhor, cisnezinhos, branquinhos e lindos, formávamos a família feliz.

Uma tarde, quando o crepúsculo derramava suas cores alaranjadas, a estranheza voltou. Que diabo é isso? Estava tudo bem nessa sucessão de belos dias e agora a repetida imagem estranha volta e acaba com tudo. Desconfio que ela me é familiar, de algum modo. O feio é o que não quero ver em mim mesmo, vai para longe, inferno dos outros! Deixa-me em paz! Estranhe, se quiser, mas eu não canto.

  • Everaldo Soares é médico, psicanalista, ensaísta, contista.

Diferente de Andersen, O Patinho Feio de Júnior não resolve seu sentimento de rejeição e estranhamento quando se depara com a sua tribo. As afinidades e o amor com a cisne branquinha de olhos claros, e o nascimento dos filhotes não foram suficientes para afastar dele nos belos dias a velha sensação de estranheza que lhe era familiar de algum modo. E ele arremata, O feio é o que não quero ver em mim mesmo. (…) Estranhe, se quiser, mas eu não canto. 

Luzia Ferrão também optou por não encontrar saída para o seu patinho feio no encontro com a sua turma.  Após a triste travessia da descoberta pelos colegas que não era tão bonito quanto a sua mãe dizia, ele parece abandonar a luta, assumir a feiura e ganhar dinheiro com ela expondo-se ao horror do público frequentador do circo. Apesar disso, preserva a mãe dizendo que é artista de circo, sem expor  a humilhação a que ele se submete. Trouxe a sua história para os tempos atuais e para o ser humano. Usou um narrador na terceira pessoa para contá-la.

O monstrinho

*Luzia Ferrão

Quando nasceu era de fato horrível, vale dizer, fugia aos padrões da normalidade, na opinião dos parentes, amigos, dos que conviveram com ele, menos de sua mãe. Era filho único, realizou o maior desejo dela – ser mãe- Foi um grande presente, um dádiva divina, a um ser que não se sentia merecedor de nada. Sentia-se tão gratificada que tratou como normal, os pezinhos tortos, o estrabismo e o lábio leporino do seu filhinho querido. Os “consertos” não ficaram assim tão perfeitos, mas que importância traria essas pequenas falhas, num ser tão amado? Virou mantra, repetida com frequência: Meu filho amado e lindo!

Chegou o dia do menino abandonar o ninho e ir à escola. No novo ambiente o mantra mudou: beiçola, Frank, Zé monstrinho, dois ou mais repetiam quando por ele passava.

Acariciado extremamente, o filho lindo e querido trocou o alivio que as palavras confortadoras da mãe lhe dava por uma raiva não identificada por ela. Uma raiva incontida do tom monótono da voz, dos carinhos, da presença que se tornara insuportável. A relação se esgarçava, se rompia, aflorando uma culpa da maldade por alguém que só lhe deu amor. A promessa embutida nas palavras seriam a garantia de felicidade dentro e fora do ninho, mas que se tornaram impeditivas de responder às angústias advindas de tanto amor. Estava travada uma corrida em círculo, por vezes vencia o amor, por vezes o ódio. Diferente da mãe que estava realizada desde que o abrigou dentro de si, que dela se apartou, mas não desapareceu nunca de sua vida, sem mistério, sem culpa, amor incondicional.

O convite foi a porta que se abriu para fugir: o papel de homem monstro estava vago no circo ambulante.  Com apenas uns pequenos retoques,  maquiagem e ensaios de gritos, seguidos de som acústico para assombrar a platéia. Tornou-se artista permanente.

“Querida mãe,

orgulhe-se do seu filho, sou o mais novo artista do circo. Um beijo”

fd

  • Luzia Ferrão – professora universitária, assistente social, contista, ensaísta.

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O Patinho Feio em Cordel

DIFERENTE

*Salomé Barros

Eu já nasci estressado
Assustado e carente
Não queria abrir os olhos
Pra não ver o ambiente
Aos poucos fui descobrindo
Que eu era diferente

Minha mãe me acolheu
Mas me disse paciente
Demorou tanto a nascer
Que o ovo ficou quente
Os outros patos nasceram
Comigo foi diferente

Meu pai nem olhou pra mim
Deixando-me reticente
Tentei aproximação
Me tornando obediente
Mesmo assim me rejeitou
Só porque sou diferente

Meus irmãos eram bonitos
Tinham fama condizente
Formavam com os amigos
Um bando muito contente
E eu vivia sozinho
Só porque sou diferente

Um pensamento me vinha
De forma intermitente
Me deixava inquieto
Anuviava a mente
Seria eu o culpado
Por ser feio e diferente?

No íntimo eu buscava
A resposta coerente
Tudo era nebuloso
Deve estar no inconsciente
Fica ainda mais difícil
Só porque sou diferente

Aí divaguei de mais
Parece que estou demente
No meu reino não existe
Nem ego, nem consciente
E muito menos divã
Pra tratar o diferente

Um dia criei coragem
Fugi dali simplesmente
Perguntava a mim mesmo
E à estrela cadente
Qual era a explicação
Por eu ser tão diferente

Depois de caminhar muito
De manhã ao sol nascente
Vi um bando lá num lago
Brincando alegremente
Me aproximei com receio
Pensando: sou diferente

Qual não foi minha surpresa
E não mais que de repente
Percebi que me olhavam
Com um jeito atraente
Até que enfim me encontrei
Aqui não sou diferente

*Psicóloga, cronista, cordelista.

O Patinho Manco

O PATINHO MANCO

*César Garcia

É sabido que o andar do pato é o mais deselegante dos andares de todos os animais. Digo é sabido, mas só vim tomar conhecimento disso muito depois do meu nascimento. Até então, coxo, pensava que só eu andava de modo ridículo. Meus irmãos aproveitavam-se do fato para me torturar e me excluir dos jogos e brinquedos. Meu pai era omisso e minha mãe tentou defender-me até certa idade e então desistiu. Disse-me que procurasse me divertir de outras formas, sem a companhia dos perversos. Não quis aceitar logo, mas acabei convencendo-me de que devia enfrentar o mundo unicamente com minhas forças, pois a maldade existia por todos os lados. O mundo era dos mais fortes, tudo bem, mas se eu não lutasse, esperando por atos solidários de alguém, eu sucumbiria na solidão das pequenas poças d’água. Tratei de prestar atenção aos costumes de outras espécies. Os cavalos carregavam os homens pra lá e pra cá; os cães latiam à toa, ou preocupados, quando alguma pessoa se aproximava; as ovelhas eram tosquiadas a cada verão. Tinham comida garantida, mas sua liberdade era vigiada de perto ou não tinham nenhuma. Eram úteis para os homens, mas não podiam sonhar com uma vida muito diferente. E eu? Poderia ter alguma aspiração? Andava mal, com uma pata mais curta do que a outra; pela mesma razão, nadava meio esquisito, sem muita velocidade; conseguia voar até bem, para um pato manco, e disso me aproveitei para ir além dos limites da lagoa em que morava. Talvez possa dizer que foi minha salvação. Conheci assim muitas lagoas, primeiro as mais próximas, depois outras mais distantes. Conheci patos iguais a mim que nem sempre eram hostis e me aceitavam em seus grupos. Perguntavam como eu conseguira chegar até ali e eu lhes dizia simplesmente: voando. Notei que alguns se surpreendiam porque eu não tinha aparência de grande atleta. Acontece que eles não tinham necessidade de voar muito, viviam bem na própria lagoa, ao contrário de mim, sozinho, sem amigos e com uma família que não ligava muito pra mim. Voar foi, portanto, um recurso decisivo na minha vida. Isto me permitiu desenvolver bem os músculos das asas e do peito. Numa dessas voanças, conheci uma galinha d’água que aprendera a falar a língua dos patos porque havia sido criada entre meus semelhantes. Tinha sotaque, mas justamente daí vinha seu charme. Começamos a nadar e a voar juntos em conversas que se tornaram interessantes porque não víamos as coisas da mesma forma. Por exemplo: eu não tinha medo da morte e ela não queria nem ouvir falar. Expliquei-lhe que depois da morte, não havia nada, não havia o que temer e ela respondeu: é justamente por isso que tenho medo, medo do nada. Ora, para mim, a frase não tinha sentido. Mesmo assim, não havia o que dizer, porque não era uma questão racional. Tive que aceitar seu medo do nada e ela conformou-se com meu jeito indiferente diante do que assombra todos os vivos. Ela gostava de voar sobre as copas das árvores e eu insistia para que ela ganhasse as alturas. Não queria. Cada diferença revelada era uma surpresa objeto de muita conversa. Um dia ela teve sensações estranhas e não quis voar. Escondeu-se entre os juncos deixando-se ficar quase imóvel. Seu jeito de olhar para mim de vez em quando despertou minha curiosidade e me atraiu para junto dela. Ninguém nos via, só o vento sussurrava nos juncos e eu não soube o que dizer, mas compreendi tudo quando ela levantou as penas de sua linda cauda. Algo estava errado, alguma convenção, talvez, mas nosso desejo foi mais forte: deitei-me sobre ela, prendi as penas de sua nuca com meu bico largo e juntei o que havia de mais íntimo em nossos corpos. O êxtase durou pouco e me desequilibrou. Ficamos ali, flutuando, nem sei quanto tempo, sem olhar um para o outro. Finalmente, perguntei: em que estás pensando, e ela, voltando-se para mim, disse: quero que ele nasça com minas longas pernas e com teu bico chato.

Casa Forte, 22 de fevereiro de 2016

  • César Garcia é escritor. Livros de contos publicados: PACTO, em 2005; CARTAS DE VENEZA, em 2008; e BREVE INSTANTE, em 2011.

O Patinho feio

O patinho feio

*Luzia Ferrão

O mundo é belo! Resplandece em cores, sons e sombras também necessárias! Faz parte neste ideário mundo esperar, uma espera planejada, limitada pelo conhecimento e pela experiência, do acaso falsamente certo. A fragilidade da certeza se antepõe ao conhecimento, impacientando o tempo da espera. Se existe fato, quase sempre, recorrente, quando o “inesperado faz uma surpresa” na forma ou no conteúdo, ou nos dois, é uma “graça” alcançada, medida pela quantidade. Se cinco são perfeitos, valeu a pena o empreendimento, o sexto é excludente. Viva! Deixemos como resto, o resto que receberá uma parte do legado, na forma de aprendizado, proteção, carinho como cumprimento da obrigação imposta, como dever inquestionável, mas, se possível, afastado.

No modelo de beleza, o feio é o destoante, é o mal que deve ser perseguido e afastado, talvez extinto. Impedi-lo de se reproduzir é uma tarefa nossa preservando a natureza de tudo que é bom e belo. Guiem-se pelos sons, pelas cores, pelos cheiros que elevam a natureza de todas as coisas. A grandeza do mundo se faz através deste compartilhamento: “Louvando o que bem merece, deixando o ruim de lado.” A louvação não é questionável, é agregadora, é segurança “na saúde e na doença”. Venceu a peste! “O mundo é assim” não matem, deixem que O MUNDO se encarregue do diferente. Está vendo aquele mais belo que você? Respeite, siga o exemplo, bajule e O MUNDO reservará um lugar de destaque para você. Mas, provavelmente, palavra horrível, se quer continuar feio, sem os requisitos que possam transformá-lo de insignificante pinto em belo cisne, missão quase impossível, supere o medo, a resignação, a angústia de ser um pobre coitado rejeitado sem espaço NO MUNDO ou escolha morrer. Talvez por generosidade, ou outro sentimento, existem grupos que acreditam e colaboram com o MUNDO DOS FEIOS.

O final feliz como forma absoluta só existe nos contos, nas fabulas, olhe ao redor: hoje é verão, inverno ou primavera? Escolha em que parte DO MUNDO quer viver.

  • * Luzia Ferrão – professora universitária, assistente social, contista, ensaísta.

O patinho feio

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Dizem que O Patinho Feio é a história mais original de Hans Cristian Andersen. Dizem também que é autobiográfica, reconhecida pelo próprio autor e por seus biógrafos. A aparência de Andersen não era das melhores à época. Com altura de 1,85 cm, em torno de vinte centímetros maior do que seus contemporâneos, inclusive dos noruegueses de hoje, muito magro, nariz proeminente além da conta, não parecia ser um modelo de beleza. Filho de um sapateiro que morreu cedo quando decidiu tornar-se soldado e adoeceu, e de uma lavadeira que assim sustentava a família com a morte do marido, e depois tornou-se alcoólatra, não se pode dizer que ele tinha o melhor ambiente familiar. A casa que eles moravam era dividida com mais quatro famílias.  Com esta infância como Andersen tornou-se escritor e não sapateiro? Havia uma vizinha viúva, Mrs. Bunkeflod, que tornou-se de amores pelo jovem, iniciando-o no mundo das letras. Ela não era uma mulher rica, mas era culta, havia sido casada com um clérigo poeta e dispunha de uma pequena biblioteca em sua casa para a qual Andersen era convidado para ir ler. Ele passava a maioria dos seus dias nesta biblioteca lendo tudo que ali existia. Além disso, ela o convidava para participar dos encontros entre ela e a sua cunhada, onde rolava ricas  discussões. Andersen era tão reconhecido por esse afastamento do mundo familiar que o primeiro conto de fadas que ele publicou foi dedicado a Mrs. Bunkeflod.

Dizem que ele após conseguir publicar seus contos e tornar-se endinheirado, costumava vestir-se muito bem ao ponto de ser apontado como um dândi. De patinho feio a cisne após encontrar os seus semelhantes na literatura.

Os contos de Andersen são lidos para e pelas crianças com muito sucesso, O Patinho feio e A pequena sereia, principalmente. A garota que vendia fósforos é muito deprimente e as mães se encarregam da censura. Todavia, esses contos ao serem lidos por adultos permitem muitas interpretações e análises. Na Oficina, quando ele foi colocado como desafio para a escrita criativa surgiram muitas discussões. A proposta para reescrever a história com outro foco narrativo foi bem aceita, mas as análises não permitiram que se fizesse durante a Oficina, mas em casa, porque várias interpretações foram ali colocadas tomando o horário todo disponível. Não dá para reproduzir aqui todos os comentários, o que ficou evidenciado é que ele permite análise sob qualquer aspecto, principalmente sob o ponto de vista psicanalítico como bem o colocou Salomé, do estranho familiar, como disse César depois em email, ele não saiu de casa, aquela casa nunca foi dele, da nominação da mãe que apesar de estranhar aquele filho, aceitou-o, como lembrou Júnior, do conto ser bem mais para adulto pelo tanto de questões que ele levanta, segundo Adelaide.

Na verdade, O patinho feio comove a todos que o leem porque toca de forma particular a cada um. Freud certa vez disse que a tragédia de Édipo, de Sófocles, comovia às pessoas que o assistiam porque elas se identificavam, mesmo que disso elas não tivessem consciência, por conta do desejo primitivo de matar o pai para ficar com a mãe. Quem não se sentiu alguma vez o patinho feio? Essa sensação de estranhamento na família, na sociedade da qual faz parte está muito presente em algumas pessoas. Poucas, entretanto, conseguem libertar-se desse sentimento porque partiram em busca dos seus iguais. Permanecem como presa de uma sociedade que o constrange e inibe.

Em termos literários pode-se dizer que O patinho feio é realmente uma metáfora da vida do seu escritor que soube com muita competência realizá-la. As mudanças de estação indicando evolução, crescimento, maturidade. O lago como a sociedade cruel que exclui e discrimina os que são diferentes. O sentimento de estrangeiro do patinho que sai em busca de sua tribo e só a encontra quando está pronto para reconhecê-la. Tudo foi feito com muita maestria por Andersen.