O Teatro de Sófocles e Antígona

Lourdes Rodrigues

Nos dias 24 e 25 de agosto de 2016, realizou-se no Hotel Mércure, o Colóquio Ética, Antígona e a Invenção da Mulher promovido pelo Traço Freudiano Veredas Lacanianas Escola de Psicanálise, tendo como palestrante o escritor, tradutor, filósofo e doutor em letras, Donaldo Schuler. A participação da platéia com perguntas,  reflexões,  enriqueceu muito o debate que enveredou não só pela mitologia, pela tragédia, mas, também, pela psicanálise, filosofia, ética. Questões fundamentais foram debatidas: limites do público e do privado, ética versus moral, ethos, daimon, a mulher na Grécia Antiga, o silêncio da mulher e a sua construção, desejo e subjetividade para os gregos, e muitas outras questões.

O Colóquio confirmou a relevância e atualidade da tragédia de Antígona, pela presença de tantas pessoas atraídas pela peça, dispostas não só a ouvirem o que Donaldo Schüler traria de novo sobre ela, mas a discutir as suas próprias reflexões e elaborações construídas ao longo do tempo.

Há alguns anos pensei em criar um blog. Ao pensar numa frase para o meu perfil, lembrei de Antígona quando disse para Creonte: Eu não nasci para odiar, mas para amar. Havia lido a peça de Sófocles e ficara impressionada com a força daquela mulher que nascera para amar. Enfrentar um tirano sabendo que a desobediência significaria a morte, pois ela mesma reconhecera diante dele esse saber: Sei que vou morrer.Como poderia ignorá-lo? , senhora de si, completamente senhora da sua própria lei, como diz o Corifeu: Gloriosa e acompanhada de louvor te encaminhas ao recinto dos mortos, sem feridas de enfermidades molestas, sem golpes de espada voraz, senhora de tua própria lei, viva, só tu entre os mortais baixarás ao Hades.

Antígona não reconhecia a lei do Estado que determinava deixar insepulto o corpo de Polinice, o seu irmão muito amado, Quem é ele para separar-me dos meus?, indaga referindo-se a Creonte), (…) Não foi, com certeza, Zeus que as proclamou,/ nem a justiça com trono entre os deuses dos mortos/ as estabeleceu para os homens./ Nem eu supunha que tuas ordens/ tivessem o poder de superar /as leis-não escritas, perenes, dos deuses,/ visto que és mortal.  Quando Creonte pergunta se ela não se envergonha por ir de encontro a todos que reconhecem em Polinice o traidor, aquele que invadiu Tebas para tomar o poder do seu irmão Eteócles, Antígona não argumenta, como ela bem o poderia ter feito, que ele lutou para tentar recuperar o que era seu por direito, uma vez que a alternância de poder havia sido pactuada pelos dois irmãos e  Eteócles decidiu não cumpri-la obrigando Polinice a tentar à força o que deveria ter sido na paz. Não, ela não está preocupada com esse tipo de  justiça. E acredita que os outros aprovariam a sua atitude se o medo não lhes travasse a língua, que estão todos intimidados e mordem a lingua para não falarem o que pensam daquele edito e conclui: Não há nada de vergonhoso em honrar os do mesmo sangue.

A postura irredutvel de Antígona – tão bem expressa pelo Corifeu: Nela se revela uma estirpe inflexível,/de um pai inflexível/ filha. Não sabe ceder aos golpes do mal.-  deixa Creonte, o tirano, em total desatino, e a sua fala revela o quanto ela o ameaçou: Muito bem, se precisas amar os mortos,/incorporate a eles,/ama-os. Mas, em minha vida, não permitirei/ que uma mulher governe. E mais adiante ele complementa: Agora, entretanto, homem não serei eu,/homem será ela,/ se permanecer impune tamanho atrevimento.

Donaldo Schuler disse no Colóquio realizado pelo Traço Freudiano Veredas Lacanianas Escola de Psicanálise que, Antígona, ao ocupar o espaço publico para propor a Ismene o sepultamento do irmão, espaço reservado para os homens, inventou a mulher.O espaço público grego pertencia ao homem, o espaço privado à mulher. Mas foi no espaço publico que Antígona fez a sua ação. Para esse mesmo sentido Werner Jaeger, em a Paidéia, parece convergir quando ao analisar o teatro de Sófocles diz que É especialmente significativo que seja a primeira vez que a mulher aparece como representante do humano, ao lado do homem, com idêntica dignidade. As numerosas figuras femininas de Sófocles, como Antígona, Electra, Dejanira, Tecmesa, Jocasta, para não falar de outras secundárias, como Clitemnestra, Ismena e Crisótemis, iluminam com o maior fulgor a elevação e a amplitude da humanidade de Sófocles. A descoberta da mulher é a consequência necessária da descoberta do homem como objeto próprio da tragédia.

Das 120 peças que a tradição antiga atribui a autoria a Sófocles, apenas 7 delas sobreviveram até os nossos dias, destacando-se Antígona que, junto com ElectraÉdipo, Rei, é uma das mais representadas no teatro moderno.Otto Maria Carpeaux em História da Literatura Ocidental diz que a descoberta do fundo eternamente humano no mito grego, pela psicanálise, forneceu explicação satisfatória do efeito permanente do teatro da Antiguidade. Sobretudo Sófocles e Eurípides são forças das mais vivas do teatro moderno, influências permanentes.

Falando de Sófocles, Otto Maria Carpeaux diz que ele era um artista da palavra, dono de extraordinário lirismo musical, sobretudo nos coros.Mas foi também artista da cena, sábio calculador dos efeitos, mestre incomparável da arquitettura dramática, da exposição analítica dos enredos. Apesar disso, o que destacou Sófocles dos seus concorrentes na dramaturgia da época, especialmente de Ésquilo, de Eurípides um pouco menos, o que mais contribuiu para a imortalidade da sua obra foi a sua maestria na construção dos personagens: O espectador moderno reconhece-se nos personagens de Sófocles, primeiro grande mestre da dramaturgia de caracteres, diz Carpeaux. Os seus personagens são figuras ideais. Werner Jaeger falando sobre Sófocles diz que ele, ao seguir a tendencia formadora da sua épocas, dirige-se ao próprio Homem e proclama as suas normas na representação das suas figuras humanas. (…) É a elas que se liga Sófocles, cujas figuras capitais encarnam um poderoso elemento de idealidade.  (…) Os homens de Sófocles (aqui Werger fala de homens no sentido geral, homens e mulheres) nascem de um sentimento da beleza que tem a fonte numa animação dos personagens até então desconhecida. Nele se manifesta o novo ideal da arete, que pela primeira vez e de modo consciente faz da psyche o ponto de partida de toda a educação humana.´

Antígona diante do conflito trágico de obedecer a lei do Estado ou a lei não-escrita, a lei Natural, deixa de ser um personagem meramente sentimental para se tornar um ser trágico: o conflito lhe revela a força do seu imperativo de consciência que lhe impôs a resistência – e assim Antígone se tornou o símbolo permanente de todas as Resistências.

Assim, tantos séculos depois, Antígona ainda é capaz de atrair as pessoas para ouvir falar dela, do seu destino trágico, da força de uma mulher que não transige sequer diante da Morte, que com o seu gesto derruba a barreira entre o público e o privado e recria o Homem, reinventa a Mulher. Antígona, ao não cumprir a lei escrita para seguir uma lei não-escrita, afronta com altivez o tirano que a condena à morte e  torna-se símbolo de todas as resistências, o ideal Humano que atravessa os tempos.

Ética, Antígona e a Invenção da Mulher

DONALDO SHÜLER EM RECIFE PARA COLÓQUIO ÉTICA, ANTÍGONA E A INVENÇÃO DA MULHER, PROMOVIDO PELO TRAÇO FREUDIANO VEREDAS LACANIANAS ESCOLA DE PSICANÁLISE

Nos dias 24 e 25 da agosto, no Salão Metropólis do Hotel Mercure, Estrada de Israel, 203, Ilha do Leite, Donaldo Schüler falará sobre Ética, Antígona e a Invenção da Mulher no Colóquio promovido pelo Traço Freudiano Veredas Lacanianas Escola de Psicanálise.

SOBRE O PALESTRANTE

Donaldo Schüler é natural de Videira, Santa Cataria (1932). Doutor em Letras e livre-Docente pela UFRGS e PUCRS, professor titular em Língua e Literatura Grega e de Filosofia em Curso de Pós-graduação. Ministra cursos no exterior (Estados Unidos, Canadá, Uruguai, Chile, Argentina).

 

 

ALGUMAS OBRAS DO PALESTRANTE

Não-Ficção

  • Teoria do Romance, Rio de Janeiro, Ática, 1989
  • Narciso Errante, Rio de Janeiro, Vozes, 1994
  • Eros: dialética e retórica, São Paulo, Edusp,1992
  • Na conquista do Brasil, São Paulo, Ateliê, 2001
  • Heráclito e seu (dis)curso,Porto Alegre, L&PM,2000
  • Origens do discurso democrático, Porto Alegre, L&PM,2002 
  • Afrontar Fronteiras,Porto Alegre, Movimento, 2012

Ficção:

  • A mulher afortunada, Porto Alegre, Movimento, 1982
  • Faustino, Porto Alegre, Mercado Aberto, 1987
  • Pedro de Malas artes, Porto Alegre, Movimento, 1992
  • O homem que não sabia jogar, Porto Alegre, Movimento, 1998

 

Tradução:

PRÊMIOS

  • Fato Literario, 2003, RBS e o BANRISUL. 
  • A Associação Paulista de Críticos Literários (APCA),  Finnegans Wake, tradução, 2003.
  • Prêmio Jabuti 2004, tradução, Finnegans Wake. 
  • Prêmio Açorianos de Literatura, categoria tradução,2004 e  categoria literatura infanto-juvenil,2005.

INSTITUIÇÃO PROMOTORA DO EVENTO 

Traço Freudiano Veredas Lacanianas Escola de Psicanálise, Associação Civil, sem fins lucrativos, cuja finalidade é promover e desenvolver estudos sobre Teoria Psicanalítica e Veredas Literárias, na perspectiva freud-lacaniana.Endereço: Rua Alfredo Fernandes, 285, Casa Forte, CEP-50060-320 – Recife- PE

Site: www.traco-freudiano.org

Blog: www.traco-freudiano.org/blog

 

INSCRIÇÕES

Vagas limitadas

Profissionais: R$ 150,00 – Estudantes: R$ 75,00

Luciene: (81)3265.5705 – segunda à sexta-feira: 13 às 19:00

Lucieneoliveira1968@hotmail.com

 

ENCONTROS COM O PROFESSOR – DONALDO SCHÜLER –  GRAVAÇÕES YOUTUBE

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