Enquanto espero Théo

Enquanto espero Théo

Edna Alcântara

             (Para minha filha Luciana)

Úmida ainda é a noite

Mas já de longe se ouve

O trinar do rouxinol

 

Que breve rumor é esse

Um hiato no silêncio

Permeia o gesto da noite

 

Serão ninfas que sacodem

No ar os longos cabelos

Para que o vento os arrume

 

Talvez que uma fada peregrina

Com pinceis do encantado

Recolha o pó das estrelas

 

Quem sabe as crias do sol

Deixando a barra do céu

Para correr pelas campinas

 

Em meu vagar de insônia

Demora tempo a passar

Custosa a chegada d’ aurora

 

Sei da hora que me espera

Pelo sentido alvoroço

Das águas que em mim habitam

 

A tua nau a empinar

Velas abertas ao vento

Para ajustar a chegada

 

Théo como será o teu rosto

Que luz terá teu sorriso

A cor e o brilho do olhar

 

A testa a pele o cabelo

As curvas todas os pés

Que já aprendi a amar

 

Dentro de mim eu te sinto

Feito a abelha o seu mel

E dentro em breve estarás

 

Aportando em meus braços

O vão do ventre esvaído

Encheras o coração

 

Ah esse latejo das horas

O devaneio e o concreto

Enquanto espero por ti

 

Deixo o leito nesse instante

Caminho até a janela

Ente a brisa e a luz eu vejo

 

O dia que vem chegando

Tão devagar, tão quieto

Roupa de festa vestindo.

 

              Edna, aí vai uma pequena  análise deste poema, que procurei fundamentar na obra de Durand, que trabalha o imaginário, e na hermenêutica simbólica. Esta é a minha visão, mas, como sabemos, a palavra é opaca, não é totalmente transparente, por isso, as imagens desta poesia, com certeza, darão margem a várias interpretações. Também analisei apenas algumas imagens. Você está de parabéns, conseguiu transparecer toda a  ansiedade da mãe e, principalmente, a dor do parto visualizado no sangue do “ventre esvaído”. Lindo!

Tentaremos fazer uma pequena análise a partir da observação do campo semântico, rico em imagens.

O campo semântico, ou seja, o agrupamento das palavras  convergem para o ventre circular onde está o bebê

 “Úmida ainda é a noite”; no ventre que o acolhe, o líquido amniótico, que o alimenta  e o prepara para enfrentar a realidade do mundo.

 O herói está no limiar, na passagem para a apoteose. A trajetória do herói, conforme diz Campbell, é a trajetória do homem em busca de um sentido para a sua vida.

“Serão ninfas que sacodem

No ar os longos cabelos” .

 Os cabelos longos por suas ondulações, segundo Durand, réplica da água corrente que implica a feminização da água. Essas imagens desembocam no parto; no momento da dor do parto, há ainda a relação com a lua, que implica tempo, o tempo de gestação.

 “Quem sabe as crias do sol”  Aqui, Théo é comparado ao sol que traz a luz, a noção de potência. As matérias luminosas. A pureza celeste; o dourado e o azulado; o sol nascente.

“Em meu vagar de insônia

Demora tempo a passar

Custosa a chegada d’ aurora

Sei da hora que me espera

Pelo sentido alvoroço

Das águas que em mim habitam”

O fervilhamento da angústia da espera. A agitação do preparo para a chegada do herói, e a ansiedade de vê-lo, perfeito.

“A tua nau a empinar

Velas abertas ao vento

Para ajustar a chegada”

Aqui há a convergência dos dois turnos: o diurno e o noturno, segundo Durand. A  descida ao ventre circular; o herói sai do ventre circular: é a verticalidade, a subida para a vida. O herói venceu. Rompeu a passagem rumo à vida.

 *Espero ter compreendido um pouco do seu pensamento, poetisa. Grande abraço,

Virgínia Macêdo

Teóloga e professora de português na U.V.A

 (Jampa, 29/10/2011)

VIAGEM SENTIMENTAL

 

Viagem Sentimental

Atenção amantes das letras  encontra-se no Camarim de Navegação o plano para a nossa viagem de 2012.  A sétima que faremos. Sete é um número poderoso. Dizem que é  cabalístico. Deve ser. Muitos grandes feitos têm esse número. Deus criou o mundo em sete dias. Sete são os orifícios da face humana. Sete são os dias de cada fase da lua. As notas musicais, os pecados capitais, os dias da semana, as cores do arco-íris, as maravilhas do mundo, a criança criativa pinta o sete… A lista é imensa.A força dele é grande e nós pretendemos aproveitar essa energia para nos lançar ao mar. Claro, com a benção da nossa madrinha Clarice Lispector que sempre corta com a machadinha a corda de nylon que sustenta a champanhe e nos abençoa com as suas palavras. Dessa feita, ela nos falará de uma velha sequinha que, doce e obstinada, não parecia compreender que estava só no mundo, em A VIAGEM A PETRÓPOLIS.

Ao final do batismo, o navio será lançado ao mar, rumo à VIAGEM SENTIMENTAL de Lawrence Sterne, como primeiro porto do nosso roteiro.

Lawrence Sterne

 VIAGEM SENTIMENTAL não é um guia turístico da viagem de Sterne à França, alerta Virgínia Woolf. Ele consegue transferir o nosso interesse de fora, da paisagem, do ambiente para dentro de nós, de nossas mentes e sentimentos. O percurso que faremos certamente terá muitos ziguezagues, como não poderia deixar de ser quando ousamos cavoucar os escombros da alma, mesmo sob o pretexto de passear pela França. Lawrence Sterne escreveu dois romances, duas obras primas: A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy  e  Viagem Sentimental. O primeiro, aos 46 anos de idade (bem estimulante, não?) e o segundo, com 55, quando já estava muito doente e  menos de duas semanas da sua viagem definitiva. São obras que vêm fascinando leitores por três séculos.

Continuando a nossa viagem, mudaremos a rota para a América do Sul e faremos uma parada na Argentina de Manuel Puig com Boquitas Pintadas.

Manuel Puig

 

 

Boquitas Pintadas

 

Sterne foi um transgressor da sintaxe, do modo de fazer literário e Manuel Puig também. Conhecido como um escritor experimental, nesse livro ele reúne recursos kitsch como fotonovelas e músicas de tango, com uma verdadeira polifonia feminina através de cartas, anúncios, diários, diálogos, monólogos interiores. O autor confessou que buscava criar uma nova forma de literatura popular baseada no velho folhetim. O resultado é uma leitura fascinante. Muitas foram as obras de Puig, a mais conhecida O Beijo da Mulher Aranha deu o Oscar, no cinema, a William Hurt.
 
O melhor da viagem ainda é voltar para casa, e é o que faremos com Essa Terra do escritor baiano Antonio Torres,  premiado aqui e na França. É o seu terceiro romance e aquele que o consagrou definitivamente como um dos melhores escritores brasileiros contemporâneos. Embora evidente o estilo regionalista, Essa Terra não pode ser visto apenas sob esse prisma. A escrita fragmentada cheia de idas e vindas, como diz Ítalo Moriconi, remete a William Faulkner, a quem Torres prestou tributo já na epígrafe do seu primeiro livro, orgulhoso do seu pai referência.Melhor padrinho, impossível. 

             

Essa Terra

O encontro amoroso com essas leituras – bem no sentido barthesiano,-  e com muitas outras de forma breve que faremos (há uma lista de contos esperando serem lidos), certamente nos levará a realizar as próprias escritas. Mas, se alguma renitência ainda persistir ela, certamente, sucumbirá sob o bombardeio de insistentes elementos provocadores típico dos jogos surrealistas ou das faíscas criativas que desencarcerarão o fluxo criativo, permitindo aos viageiros realizarem a escrita que tem no inconsciente a sua grande fonte. 

Momento importante desse roteiro é a parada que faremos para lançamento do nosso diário de viagem de 2011, com uma grande festa.

A  viagem será acompanhada através do nosso blog WWW.traco-freudiano.org/blog 

Ementa:

— Leitura e análise crítica

— Exercícios de escrita

— Blog da Oficina

Programa:

1.0 – Leitura e análise crítica de Romances

  • ·         Viagem Sentimental – Lawrence Sterne
  • ·         Boquitas Pintadas – Manuel Puig 
  • ·         Essa Terra – Antonio Torres

      2.0  – Leitura e análise crítica de Contos

  • ·         Viagem a Petrópolis –  Clarice Lispector
  • ·         Os irmãos Dagobé ou As margens da Alegria – Guimarães Rosa
  • ·         O fim – Luíz Borges
  • ·         O tenente Gusti – Arthur Schintzler
  • ·         Os sexos – Dorothy Parker
  • ·         Véra – Villiers de Lísle-Adam
  • ·         O homem de Areia – ETA Hoffmann
  • ·         Os canhotos – Gunter Grass
  • ·         Mi. Cristina – Mercé Rodoredo
  • ·         Nero – Miguel Torga
  • ·         Talvez – Lucia Catelo Branco
  • ·         Chuva – W.Somerset Maugham

         3.0 – Estímulos à escrita criativa – Exercícios que estimulem a escrita automática, a livre associação. Jogos para estímulo da criatividade – listas  ou imagens que funcionem como faíscas criativas.  A idéia é impulsionar a escrita que jorra livremente a partir de alguns estímulos, seja por livre associação da palavra ou imagem, deixando o inconsciente trabalhar solto, após leves fagulhas.

          4.0 – Reescrever os textos, enxugando, aprimorando a linguagem, usando as técnicas já conhecidas, a concisão, a quebra de padrões.

          5.0 – Usar o blog para compartilhar os trabalhos.

                                           Lourdes Rodrigues   e  Eugenia Menezes