Poesia, às Quartas-Feiras

Nesta última quarta-feira, a responsabilidade de levar o poema foi minha. A escolha eu a fiz pensando no que Paulo Tadeu havia dito sobre as traduções distanciarem um pouco (ou muito, dependendo do tradutor) do poema original. O tradutor teria que captar o sentimento do poeta e traze-lo para uma outra língua, buscando a mesma sonoridade, tarefa nem sempre de sucesso.

E nós temos grandes poetas, não ficamos a dever na literatura poética a nenhum outro país. E Manuel Bandeira é um ícone da poesia brasileira. Participou em 1922 da Semana da Arte Moderna ocasião em que se despediu para sempre da poesia lírica bem comportada.

Trouxe para o Blog os poemas lidos, inclusive, alguns vídeos com as suas interpretações. Vou-me embora para Pasárgada é um poema que já foi interpretado por muitos cantores, entre eles, Gilberto Gil, Paulo Diniz, Ana Cristina.

 

Vou-me Embora Pra Pasárgada
Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
– Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
– Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

 

Desencanto

Manuel Bandeira

Eu faço versos como quem chora
De desalento , de desencanto
Fecha meu livro se por agora
Não tens motivo algum de pranto

Meu verso é sangue , volúpia ardente
Tristeza esparsa , remorso vão
Dói-me nas veias amargo e quente
Cai gota à gota do coração.

E nesses versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre
Deixando um acre sabor na boca

Eu faço versos como quem morre.
Qualquer forma de amor vale a pena!!
Qualquer forma de amor vale amar!

Há muito tempo, cerca de 30 anos,  fiz um curso de Literatura Comparada de Manuel Bandeira e do poeta francês Prevért. Guardei o livro indicado de Bandeira Estrela da Vida Inteira, poesias reunidas, 16ª edição da Editora José Olympio com um carinho especial e a ele recorria todas as vezes que sentia saudade. Quarta-feira levei-o à Oficina, tão cheio de ácaro que recorri ao xerox para ler as poesias aqui postadas, mas continuará sendo a minha referência poética maior.

Jaboatão dos Guararapes, 27 de outubro de 2015

Lourdes Rodrigues

Poesia, às Quartas-Feiras II




affonso-romano-de-santannaEncontrei o escritor Affonso Romano de Sant’Anna, no final de setembro último, numa feira de livros – FENELIVRO – no Centro de Convenções. Como autor convidado, ele veio lançar seu último livro: “entre leitor e autor” 066a4b9a-11b3-4ef7-8dd7-de02914cd275e fazer palestra sobre o mesmo. De forma descontraída e simples, ele disse que o livro era autobiográfico e, nele, ele discorria sobre sua trajetória para conseguir ser um escritor, sua viagem, buscas, percalços vivenciados nesse caminho. Na ocasião, também estava à venda seu livro de poesia: “Sísifo desce a montanha”22826082. Adquiri os dois e transcrevi algumas poesias para nosso blog.

OSTRA

Estou num trabalho de ostra.
A areia entrou-me na concha
na carne.

Sangro.

Mas não se vê. O mar é grande
e a pérola
é pequena
embora reluza
como um poema.

ONDE ESTÃO?

Onde estão estes
que ao nosso lado
parecem vivos
e são tão
televisivos?

_Onde estão?

Estão todos vivendo
Morrendo
Cheios de adjetivos.

Onde estão esses
que ao nosso lado
parecem tão produtivos
esportivos
e cheios de adesivos?

_Onde estão?

Estão todos vivendo
Morrendo
Comercialmente
Ativos.

Onde estão estes
que ao nosso lado
parecem tão livres
e atrativos
com seus dentes
e risos?

Onde estão?

Estão todos vivendo
morrendo
prosaicamente
cativos.

Onde estão esses
que ao nosso lado
parecem tão passivos
com ar silencioso
e corrosivo?

Onde estão?

Estão apenas vivendo
morrendo
como sub ser vivos.

AGENDA

Toda manhã
anoto uma lista
de coisas por fazer:

contas a pagar
cartas, e-mails, telefonemas
carinhos que responder
livros, palestras, entrevistas
ginástica, compras
remédios, terra, flores
consertos domésticos
desculpas, culpas
livros que ler
e escrever.

Olho o que arquivo:
– o ontem só cresce
Não há pasta
que o contenha.
Melhor seria dissolvê-lo
ignorá-lo, sem etiqueta
sem tentar decodifica-lo
entendê-lo.

Vai começar a girândola
de um novo dia.
Ponho o sol na alma
vejo da janela
– a lagoa e o mar.

Olho o presente, o futuro.
Mas o passado, que não passa
como agendar?

GERAÇÕES 1

Partiam para a utopia
como se utopia
pudesse ser habitada.

Se equivocavam.

A utopia
não é ponto de chegada
é a partida
alucinada.

Colonizar a utopia
é negá-la.
Tanto mais é plena
quanto mais
se faz de nada.

GERAÇÕES 2

Cada manhã
Anoto vestígios dos que se foram.

O que íamos fazer nesta cidade?
Por que nos agrupávamos na praça?

Um vigiava a Torre
Outro, na Montanha, ia à caça
e havia quem, contando estórias
calmamente fiava
e desfiava
– nossa ânsia.

Olho as pedras dos monumentos
e os poemas, que se esboroam.

Em algum momento
– fomos eternos.

A morte despovoa meu presente
E torna denso o meu passado.

ALÉM DE MIM

Não é culpa minha
se não estou aparelhado
para entender certos conceitos
e sinais

Conheço o ódio, o amor, a fome
A ingratidão e a esperança.

(Deus, a eternidade, o átomo e a bactéria
Me excedem)

O que não significa
Que os ignore.
Ao contrário:
por não compreendê-los
finjo estar calmo
– e desespero.

Recife, 20 de outubro de 2015

*Maria Salomé C. Barros

*Psicóloga, cronista, cordelista.

Poesia, às Quartas-Feiras

Na última quarta-feira tivemos dois poetas: um da casa, da nossa Oficina, o que muito me orgulha, da nossa viageira Eleta Ladosky ; e Affonso Romano de Sant’anna, poeta, ensaísta consagrado.

Esta postagem se refere ao poema de Eleta Ladosky Como posso estar sozinha,  construído, segundo ela, em um momento recente, em que se sentiu em pânico com a possibilidade de ter que se hospitalizar, estando os filhos distantes, e tendo que deixar o marido sozinho com cuidadores. Diante do pânico que começava a se instalar, ela buscou refúgio dentro dela mesma e começou a construir os versos que ora aqui estão. A poesia salvou-a do hospital, com certeza, porque ela não precisou ir, recuperando-se completamente.

Os poemas de Affonso Romano serão postados depois por Salomé que os trouxe à Oficina e deles falará.

 

Como posso estar sozinha

Eleta Portela Ladosky

Como posso estar sozinha
Com tantas sombras à vagar
A tua voz criancinha
Teu jeito de caminhar

Como posso estar sozinha
Com tantos sons à gritar
Riso, pranto, melodia
Mesmo sonhos sem vingar

Como posso estar sozinha
Com tanta memória à guardar
Sol, mar, maresia
Tantas noites de luar

Tanta vida já vivida
Que teima em continuar
Presente, e sempre tão viva
Como posso estar sozinha

.

Poesia, às Quartas-Feiras

Salomé iria trazer seus poemas preferidos na última quarta-feira, mas não pôde ir à Oficina, por motivo de força maior, e adiou para a próxima semana. Mais uma vez a nossa viageira Adelaide nos socorreu e retirou do seu iPad  duas poetas de primeira grandeza: Sophia Breyner, portuguesa, e a brasileira Cecília Meireles.

De Sophia Breyner foram lidos dois poemas que remetem à beleza, pureza e solidão da criação poética:SofiaMelloBreynerAndersen2012

A bela e pura

A bela e pura palavra Poesia
Tanto pelos caminhos se arrastou
Que alta noite a encontrei perdida
Num bordel onde um morto a assassinou.

A escrita

No Palácio Mocenigo onde viveu sozinho
Lord Byron usava as grandes salas
Para ver a solidão espelho por espelho
E a beleza das portas quando ninguém
Passava

Escutava os rumores marinhos do silêncio
E o eco perdido de passos num corredor
Longínquo
Amava o liso brilhar do chão polido
E os tetos altos onde se enrolam as sombras
E embora se sentasse numa só cadeira
Gostava de olhar vazias as cadeiras

Sem dúvida ninguém precisa de tanto espaço vital
Mas a escrita exige solidões e desertos
E coisas que se veem como quem vê outra coisa

Podemos imaginá-lo sentado à sua mesa
Imaginar o alto pescoço espesso
A camisa aberta e branca
O branco do papel as aranhas da escrita
E a luz da vela – como em certos quadros –
Tornando tudo atento

 

Encontrei outras poesias de Sophia Breyner na internet, um deles na voz de Maria Betânia que aproveito a oportunidade para compartilhar aqui.

 

 

sophia_de_mello_breyner_andresen_em_nome_da_tua_ausen_ol




Sophia de Mello Breyner Andresen
(1919/2004), descendente de dinamarquês pelo lado paterno, foi uma das mais importantes poetisas portuguesas, a primeira mulher portuguesa a receber o Prêmio Camões. O seu corpo está no Panteão Nacional desde 2014, onde estão grandes navegadores como Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, e famosos da literatura como Camões, Almeda Garrett, entre outros.assuncao_esteves_e_cavaco_trasladaçao_Sophia_Panteao_MARIO_CRUZ_LUSA448442b6_664x373

Filha de Maria Amélia e João Henrique Andresen, este bisneto de Jan Heinrich, dinamarquês que chegou ao Porto e nunca mais abandonou a cidade, tendo o seu filho João Henrique comprado a Quinta do Campo Alegre, onde hoje é o Jardim Botânico do Porto. A casa sempre foi tema poético para Sophia que, certa vez, declarou sobre essa quinta e a sua infância: foi um território fabuloso com uma grande e rica família servida por uma criadagem numerosa. A sua mãe era filha do conde de Mafra, médico e amigo do rei D. Carlos, aquele que foi assassinado junto com o seu filho nos estertores da monarquia.Este assassinato foi descrito no livro do filho de Sophia Breyner, Miguel de Souza Tavares, Rio das Flores.  Maria Amélia era neta do conde Henrique de Burnay, um dos homens mais ricos daquela época. Tornou-se ativista política em prol da liberdade e da monarquia, denunciando sempre o regime ditatorial de Salazar. A sua Cantata da Paz ficou célebre como canção de resistência à injustiça social, às atrocidades:

Cantata de paz

Sophia de Mello Breyner Andresen

Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar
Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar

Vemos, ouvimos e lemos
Relatórios da fome
O caminho da injustiça
A linguagem do terror

A bomba de Hiroshima
Vergonha de nós todos
Reduziu a cinzas
A carne das crianças

DÁfrica e Vietname
Sobe a lamentação
Dos povos destruídos
Dos povos destroçados

Nada pode apagar
O concerto dos gritos
O nosso tempo é
Pecado organizado.

Ela foi casada com o jornalista, político e advogado Francisco de Souza Tavares e foi mãe de cinco filhos, entre eles, o jornalista e escritor de renome Miguel de Souza Tavares, autor de vários livros, a exemplo do já citado Rio das Flores e de Equador, muito bons tanto sob220491 o ponto de vista literário, como pelo registro dos fatos histórico de Portugal e parcialmente do Brasil e da escravidão num país africano.

 

Ela foi muito premiada pela sua obra poética, recebendo grandes prêmios, entre eles o de Camões.Sophia Breyner faleceu aos 84 anos. Por decisão unânime da Assembléia da República o seu corpo se encontra no Panteão. Estão lá no  Oceanário de Lisboa, nas zonas de descanso da exposição,  os seus poemas sobre o mar para que os visitantes absorvam a força da sua escrita enquanto estão imersos numa visão de fundo do mar. Sophia Mello Breyner Parque Poetas

 

 

 

Além de Sophia Breyner, Adelaide Câmara nos trouxe Cecília Meireles com o poema tão belo quanto forte porque traz o tema da Morte:Tu tens um Medo

ceciliaTu Tens um Medo

Cecília Meireles

Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Não ames como os homens amam.
Não ames com amor.
Ama sem amor.
Ama sem querer.
Ama sem sentir.
Ama como se fosses outro.
Como se fosses amar.
Sem esperar.
Tão separado do que ama, em ti,
Que não te inquiete
Se o amor leva à felicidade,
Se leva à morte,
Se leva a algum destino.
Se te leva.
E se vai, ele mesmo…
Não faças de ti
Um sonho a realizar.
Vai.
Sem caminho marcado.
Tu és o de todos os caminhos.
Sê apenas uma presença.
Invisível presença silenciosa.
Todas as coisas esperam a luz,
Sem dizerem que a esperam.
Sem saberem que existe.
Todas as coisas esperarão por ti,
Sem te falarem.
Sem lhes falares.
Sê o que renuncia
Altamente:
Sem tristeza da tua renúncia!
Sem orgulho da tua renúncia!
Abre as tuas mãos sobre o infinito.
E não deixes ficar de ti
Nem esse último gesto!
O que tu viste amargo,
Doloroso,
Difícil,
O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus olhos
Humanos,
Esquecidos…
Enganados…
No momento da tua renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor…
… E tudo que era efêmero
se desfez.
E ficaste só tu, que é eterno.